Por Marco Túlio de Sousa

Depois de “Para onde peregrinamos?“, de Notker Wolf, comentaremos o livro “Peregrinos e peregrinação na Idade Média”, lançado em 2017 pela Editora Vozes, que gentilmente nos disponibilizou um exemplar.

A obra integra a coleção “A Igreja na História” e é de autoria de três pesquisadores brasileiros: Susani Silveira Lemos França, professora livre-docente em História Medieval da UNESP; Renata Cristina de Sousa Nascimento, pesquisadora da UFG e do programa de pós-graduação em História da PUC-GO; e Marcelo Pereira Lima, que leciona no programa de pós-graduação em História da UFBA. Cada um dos autores assina um capítulo em que tratam de facetas deste ritual na Idade Média.

Mas, do que estamos falando quando usamos a palavra peregrinação no contexto cristão? Segundo a obra, o termo recebeu conotações distintas no período medieval até ter o sentido que conhecemos hoje. Peregrinus no Império Romano era “aquele que não possuía a cidadania romana, que se encontrava à margem do grupo ou da vida ativa dos cidadãos” (pp. 136-137). Ainda na Alta Idade Média o peregrino passa a ser visto como aquele que está longe da pátria, como estrangeiro. Surge nesta época um sentido mais espiritualizado, cuja acepção a Igreja Católica corroborou para popularizar, que associa esta figura a alguém em permanente exílio na “cidade dos homens” à espera da verdadeira vida, da “cidade de Deus”. Nesse sentido, peregrino é que se dispõe a ir a um local santo. Metaforicamente, portanto, a vida seria uma grande peregrinação.

Há ainda uma diferenciação adicional que acabou se diluindo com o tempo. Marcelo Lima e Susani França apontam que aqueles que iam para Roma eram chamados de “romeiros”. O termo peregrino a princípio era mais utilizado para tratar dos que iam a Santiago de Compostela e Jerusalém. Os que se deslocavam até a cidade do Oriente Médio também eram denominados “palmeiros”, pois retornavam com a folha da palma, uma planta da região. Este entendimento do ser peregrino na Idade Média nos permite percorrer brevemente a contribuição de cada autor.

“Peregrinos e centros de peregrinação” é o primeiro capítulo da obra. Nele, a professora Susani França fala dos três grandes centros de peregrinação do cristianismo medieval: Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela. A partir de fontes historiográficas e relatos a autora conta como a peregrinação em cada lugar surgiu e se desenvolveu. Sobre Jerusalém, que recebe maior atenção no texto, fala-se dos modos de ser peregrino em cada período: peregrinava-se em busca de milagres, do perdão dos pecados, para lutar pela Terra Santa (os cruzados também eram vistos como peregrinos), para cumprir uma determinação ou venerar uma relíquia.

Em “Nos passos de Cristo e de seus apóstolos” Renata Cristina de Sousa Nascimento aborda as peregrinações medievais por meio da análise de textos de peregrinos cujos relatos se tornaram célebres. Assim, o texto nos releva pelo olhar desses personagens diferentes mundos no tempo e espaço. São narrados feitos como os de: Helena (séc. IV), mãe do Imperador Constantino e uma das responsáveis pela identificação dos espaços sagrados cristãos na Palestina; Etéria (séc. V), que se tornou um modelo de viajante cristã nos séculos posteriores ao ir à Terra Santa e seguir uma liturgia peregrinatória; São Luís (séc. XIII), rei canonizado pela Igreja que liderou uma cruzada; Marco Polo (XIV) e Jean de Maldeville (XIV), cujos relatos ao mesclarem história, lenda e mito influenciaram o imaginário cristão medieval por tratarem de lugares considerados sagrados e suas relíquias.

Outro texto analisado neste capítulo e que também merece a atenção dos outros autores é o Liber Sancti Iacobi, obra do século XII cuja autoria é atribuída ao Papa Calisto II que se tornou uma referência obrigatória sobre o Caminho de Santiago. É dividida em cinco partes: 1) ofícios litúrgicos; 2) milagres atribuídos ao apóstolo Tiago; 3) a vinda dos restos mortais do apóstolo à Galícia; 4) conquistas de Carlos Magno associadas à intervenção do santo; 5) uma espécie de guia do Caminho. Esta última parte contribuiu para divulgar a peregrinação e popularizar o Caminho Francês.

Marcelo Pereira Lima fecha o livro com “Muito mais do que um modo de ‘orar com os pés’ – As peregrinações jacobeias medievais em textos legislativos e normativos”. Como o título informa, aborda-se exclusivamente o Caminho de Santiago focando-se em como as autoridades eclesiásticas e políticas pensavam a figura do peregrino. Sobressai a imagem de um ator que tinha um status privilegiado na Idade Média e gozava de credibilidade junto à sociedade. Mais de uma vez, conta o autor, autoridades se passaram por peregrinos para entregar documentos de valor e poderem transitar mais livremente pelos diversos reinos que compunham a Espanha.

Para finalizar, um último comentário: a obra impressiona pela quantidade e qualidade das fontes documentais apresentadas e pelo modo como cada autor, com uma linguagem acessível, traz as informações ao leitor, instigando-o a seguir a leitura. É um livro que recomendamos a todos, acadêmicos ou não, que desejam conhecer o universo das peregrinações cristãs e a Idade Média.

Detalhes Técnicos

Editora: Vozes

Código ISBN: 9788532655035

Formato: 13.7X21 cm

Acabamento: Brochura

Peso: 0,264 kg

Número páginas: 216

1ª edição

Ano de lançamento: 2017

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Marco Túlio de Sousa
Marco Túlio de Sousa
Doutor em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), mestre em Comunicação pela UFMG e graduado em Comunicação (Jornalismo) pela UFJF. Criador do grupo "Mídia, Religião e Poder" no facebook e do blog "Mídia, Religião e Sociedade". Desenvolve pesquisas sobre experiência religiosa e mídia.

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