Luís Mauro Sá Martino: Eu que agradeço a oportunidade de tratar desse tema. Vou tentar ser breve, mas já me desculpo de antemão se não conseguir. É difícil quando um tema te atrai há mais de vinte anos, rs. Comecei a estudar mídia e religião quase por acaso, ainda no 2º ano do curso de Jornalismo, em 1996. Havia um trabalho de disciplina a ser feito e o tema “mídia e religião” era um dos poucos que não haviam sido selecionados. Ao entrar em contato com o tema, junto com um amigo de sala, notamos o potencial do assunto. O Trabalho de Conclusão de Curso, feito com ele, foi um estudo sobre a mídia institucional religiosa. Segui com o tema no Mestrado e, em outro registro, no Doutorado, cursados na PUC-SP. Preciso mencionar, se estou falando dessa época, a generosidade de meus orientadores – Clóvis de Barros Filho (TCC), Beatriz Muniz de Souza (Mestrado e início do doutorado) e Luiz Eduardo W. Wanderley (Doutorado) – pelo incentivo ao meu trabalho com essa temática.
Luís Mauro Sá Martino: Parece-me haver duas dificuldades para responder essa questão. Em primeiro lugar, traçar uma linha histórica inevitavelmente leva a exclusões, e algumas delas poderiam ser bem importantes. Segundo, a partir de certo recuo histórico, fica difícil identificar as pesquisas em “mídia e religião” como tais: em alguns casos, as referências à mídia estão em trabalhos mais amplos, especialmente os de Sociologia da Religião. Dito isto, diria que esses estudos começam a se consolidar sobretudo a partir dos anos 2000 – embora, para ilustrar a dificuldade que mencionei, o Journal of Communication and Religion exista desde os anos 1970, e alguns dos livros clássicos sobre o assunto, como “ “Pray TV”, de Steve Bruce, sejam de 1990. O Journal of Media and Religion é de 2002, e muitos trabalhos de fôlego são publicados nessa primeira década do século. Em linhas bastante gerais, parece-me que esse é o momento de consolidação da área no exterior.
Luís Mauro Sá Martino: Costumo sugerir uma divisão em três momentos, com todo o risco que uma divisão dessas, meramente indicativa e fruto de certa preocupação didática (hábito de professor, rsrs) oferece. Vou tomar a liberdade de não citar nomes: não por falta deles, ao contrário. Certamente deixaria nomes importantes de lado, e, entre a menção genérica e a injustiça da omissão, fico com a primeira. Em um primeiro momento, em torno dos anos 1960-1980, o surgimento e consolidação de estudos laicos sobre religião, sobretudo a Sociologia da Religião, permite que diversas temáticas, incluindo a mídia, sejam abordadas. A pesquisa sobre “mídia” aparece, neste momento, dentro da perspectiva sociológica. As décadas de 1980 e 1990 veem o aparecimento de uma bibliografia específica sobre mídia e religião. Trata-se de um momento de transição, quando a temática “mídia e religião” passa a ser trabalhada nos estudos de Comunicação. Esse é o momento de consolidação da àrea. O momento atual me parece como pleno de desdobramentos dessa consolidação. O tema está plenamente situado na Área de Comunicação – a recente aprovação do GT Comunicação e Religiosidades na Intercom é um indício disso – e cresce em diálogo com os vários temas de nossa área.
Luís Mauro Sá Martino: Parece-me que há tantas abordagens e referenciais quanto são as teorias e conceitos utilizados na Área. Objetos relacionando mídia e religião vem sendo estudados de acordo com teorias e conceitos da Área – por exemplo, a Semiótica, os Estudos Culturais, Midiatização ou a Cibercultura. Penso que são maneiras teóricas de apropriação e compreensão dos fenômenos religiosos espalhados nos vários ambientes midiáticos. Essa pluralidade de manifestações, me parece, está ligada à diversidade de abordagens. Os modos como isso acontece variam. Penso que esse tipo de apropriação é um indicativo de como o tema está entrelaçado com a pesquisa em Comunicação.
Luís Mauro Sá Martino: Penso que são duas questões paralelas. O processo de secularização, em sua diversidade cheia de conflitos, parece se revelar também na mídia. Entendo isso na forma de um questionamento: se, para divulgar minha mensagem religiosa, preciso adaptá-la a um meio “laico”, em que medida houve um momento de “secularização”? Em termos da aproximação de campos, vale lembrar que a mídia pode aumentar a visibilidade pública da religião. Isso é importante na medida que pode configurar sua presença, ou participação, conforme o caso, como um ator no espaço público.
Luís Mauro Sá Martino: Há diversas razões, incluindo questões institucionais e teológicas. Tomo a liberdade de me resumir a duas que me parecem mais próximas da questão da mídia. Primeiro, a divulgação de sua mensagem. Em um mundo permeado pelo ambiente midiático, esse é o espaço para divulgar qualquer mensagem – e a religião está incluída aí. Segundo, trata-se também de entrar no espaço público e aumentar sua visibilidade em relação a outras instituições sociais.
Luís Mauro Sá Martino: Penso que esse é um dos desafios que todas as igrejas e denominações religiosas olham com atenção: em uma cultura do entretenimento midiático, como divulgar uma mensagem religiosa? De um lado, há a opção de seguir a linguagem e os códigos do entretenimento. Mas até que ponto uma mensagem religiosa pode ser adaptada na relação com o entretenimento? A resposta a esta questão depende da teologia de cada igreja ou denominação. Por outro lado, a apropriação de temas religiosos pela mídia não é de hoje – os primeiros filmes religiosos são quase tão antigos quanto Hollywood. Essas temáticas estão presentes também na cultura midiática – mas também aqui é possível colocar perguntas: em que medida isso significa “religiosidade” na mídia? Ou poderia ser visto também como a alocação de um nicho de mercado, mais um junto com tantos outros? Como todo tensionamento, não há resolução simples, mas modos de olhar essas perguntas.
Luís Mauro Sá Martino: Assim como no caso do entretenimento, trata-se de um desafio que religiosas e religiosos, igrejas e denominações estão olhando com atenção – mas a velocidade desses fenômenos parece exigir ação também. Noto a rapidez com que algumas igrejas e denominações, geralmente já adaptadas à cultura da mídia, se inserem no ambiente das mídias digitais. Anos atrás procurei defini-las como igrejas de “alta mediação”. A identidade religiosa se manifesta também nesse ambiente a partir do momento em que alguém se diz participante ou membro desta ou daquela igreja. Nesse ponto, parece-me haver algum fortalecimento dessa identidade religiosa no ambiente virtual. Nem sempre essa vinculação é mostrada na forma de um debate ou menções diretas a esta ou àquele assunto. Muitas vezes a resposta religiosa a um comentário (“amém”) ou a menção de textos religiosos para reforçar argumentos indica isso.
Luís Mauro Sá Martino: Na sequência da resposta anterior, a tela do computador, tablet ou smartphone parece criar certa ilusão do anonimato que permite a algumas pessoas o uso de um discurso de intolerância. Não diria que este ou aquele ambiente propriamente “estimula” uma prática, mas a arquitetura fechada de algum deles permite isso. Ao que me parece, não se trata de um fenômeno apenas religioso, mas de maior escala. Em linhas muito gerais, pode-se notar uma espécie de paradoxo da conexão: embora conectados com muitas pessoas, nos comunicamos com poucas. Temos a chance – e isso talvez seja importante – de deixar o outro de lado, apagando o diferente. Resgatar isso talvez seja importante – conhecer o outro é encontrar, na diferença, os pontos comuns de nossa condição.
PARA CITAR ESTA ENTREVISTA
MARTINO, L. M. S.. Mídia e Religião: o fenômeno e seu campo de estudos – Entrevista com Luís Mauro Sá Martino [09/05/2018]. Mídia, Religião e Sociedade (site). Entrevista concedida a Marco Túlio de Sousa e Tatiane Milani. Disponível em: https://midiareligiaoesociedade.com.br/2018/05/09/midia-e-religiao-o-fenomeno-e-seu-campo-de-estudos-entrevista-com-luis-mauro-sa-martino/ . Acesso:
Pós-doutorado pela School of Political, Social and International Studies na University of East Anglia, na Inglaterra (2009), é doutor e mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) e graduado em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero. É professor do PPG em Comunicação da Faculdade Casper Líbero. Autor dos livros “Mídia, religião e sociedade: das palavras às redes digitais” (Paulus, 2016), “Teoria das Mídias Digitais” (Vozes, 2014), “The Mediatization of Religion” (Ashgate, 2013), “Teoria da Comunicação” (Vozes, 2009), “Comunicação e Identidade” (Paulus, 2010), “Mídia e Poder Simbólico” (Paulus, 2003), “O habitus na Comunicação” (Paulus, 2003). Dedica-se aos estudos de Teoria da Comunicação, Comunicação e Política e processos de Midiatização da Religião.
Confira outros <<< textos de Luís Mauro Sá Martino >>> publicados no Mídia, Religião e Sociedade.
SOBRE OS ENTREVISTADORES
Tatiane Milani é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Unisinos e graduada em Comunicação (Jornalismo) pela UFSM campus de Frederico Westphalen. Desenvolve pesquisas com ênfase em temas como: mídia e religião, Igreja Católica, Papa Francisco, midiatização, circulação e imagem. É colaboradora permanente do Mídia, Religião e Sociedade.