22/05/2019

Por Marco Túlio de Sousa

Hoje o Mídia, Religião e Sociedade traz mais uma resenha. A obra selecionada foi “Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea“, da Editora Vozes.

“Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea” é de autoria do antropólogo David Le Breton, professor da Universidade de Strasbourg (França). Le Breton é autor de diversas obras, dentre elas: “Antropologia do Corpo“, “Antropologia dos Sentidos” e “Antropologia das Emoções“.

Em um mundo permeado por tecnologias de comunicação que incentivam a falar de si mesmo a todo tempo a ideia de que desaparecer seria uma tentação contemporânea soa estranho. Foi esta estranheza que primeiro me chamou a atenção e despertou a curiosidade pelo livro.

O “desaparecer” de que Le Breton nos fala não se trata da mera ausência, do sumiço no meio em que convive. O “desaparecer de si” diz de uma condição de existência dos sujeitos na sociedade atual. Um mundo de relações frágeis, líquidas, diria Bauman, se impõe a um sujeito esmagado pela vivência acelerada do tempo e pelas pressões no trabalho, onde compete a todo tempo com os colegas. Recai sobre este sujeito o fardo da autodeterminação e o peso da responsabilidade do sucesso pessoal.

Cansado de si, ele busca “o branco”, a ausência de si mesmo e das (ex-)pressões que lhe forjam a identidade. “Neste universo da supremacia que se impõe na ambiência de nossas sociedades neoliberais, o branco é uma paradoxal vontade de impotência; cessar de querer controlar a própria existência e deixar-se levar” (LE BRETON, 2018, p. 15, grifos nossos). Não se investe em uma nova identidade, na (re-)construção de um novo eu. A busca pelo branco se dá por um “desinvestimento do si”, por um “desnascimento”, um apagamento discreto. Segundo Le Breton (2018, p. 23, grifos nossos), “o branco é vontade de desacelerar ou de deter o fluxo do pensamento, de finalmente acabar com a necessidade social de sempre compor um personagem de acordo com os interlocutores presentes”.

O autor segue a trilha do branco. Identifica e discute múltiplas formas pelas quais se manifesta: no sono, na depressão, na imersão em atividades que levam a fadiga extrema, na literatura. Dedica uma parte considerável da obra às formas de desaparecimento na adolescência, abordando o consumo de entorpecentes, a vida de jovens que deixaram famílias de boa condição financeira para vagarem como andarilhos pelas ruas e a experiências de perda de sentidos que quase levam à morte.

A velhice o Alzheimer também constituem, na perspectiva de Le Breton, outras maneiras de desaparecimento de si. A perda das faculdades físicas e (ou) mentais leva o indivíduo a não se reconhecer mais a si no corpo e na mente em que habita. Na sociedade, ele desfruta cada vez menos de atividades, seja devido à saúde, seja pela perda dos amigos e familiares com quem mantinha laços afetivos. Seu mundo desaparece gradualmente enquanto ele vai distanciando de si, daquilo que costumava ser.

Em um dos últimos capítulos fala de indivíduos que desaparecem sem deixar rastros e iniciam uma nova vida em outro lugar, muitas vezes tentando ocultar a verdadeira identidade, algo mais difícil hoje do que no passado em função das tecnologias digitais e dos sistemas de segurança. Este mudar de ares se soma a outras formas menos radicais dessa busca pelo branco na contemporaneidade como, por exemplo, em práticas, como, fazer longas caminhadas, meditações, passar um tempo longe da sociedade e de suas pressões. O direito a ser esquecido, o direito a se esquecer, torna-se tema a ser discutido no âmbito das políticas públicas.

Estes são alguns tópicos abordados de maneira clara e direta por Le Breton. Sua obra é recomendável para aqueles que estudam a contemporaneidade. Le Breton parece apontar que este modelo de sociedade que superexpõe os sujeitos e os pergunta a todo momento, a exemplo das redes sociais digitais, “quem são” e “o que pensam” está saturado. A pressão pelo eu “construído” encontra resposta em um eu que busca na suspensão de si uma maneira de continuar existindo, ainda que minimamente. A suposta de liberdade de escolher é respondida pelo desejo da não escolha. Para estes tempos, talvez esta seja a forma mais radical de liberdade.

Detalhes Técnicos

Editora: Vozes

Código ISBN: 8532657427

Formato: 13.7cm x 21.0cm x 1.0cm

Acabamento: Brochura

Número páginas: 224

1ª edição

Ano de lançamento: 2018

Ficou interessado? Adquira a obra no <<<site da Editora Vozes>>>.

Marco Túlio de Sousa
Marco Túlio de Sousa
Doutor em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), mestre em Comunicação pela UFMG e graduado em Comunicação (Jornalismo) pela UFJF. Criador do grupo "Mídia, Religião e Poder" no facebook e do blog "Mídia, Religião e Sociedade". Desenvolve pesquisas sobre experiência religiosa e mídia.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *